15.08.2017
Sabe-se que Maria Montessori (1870-1952) foi uma cientista educadora e trouxe à educação algumas práticas novas, como é o caso de agrupar crianças com idades cronológicas diferentes. No Brasil, onde predomina o modelo das classes seriadas, essa prática é vista com estranheza. Em escolas rurais havia o modelo multisseriado, mas tinha outro propósito. O trabalho proposto por Montessori há 108 anos é uma quebra de paradigma do modelo seriado e atualmente abrange países do mundo inteiro e vem, gradativamente, conquistando a confiança dos educadores. Inclusive, surgem epistemologias e práticas pedagógicas que em muitos aspectos são similares às inovações trazidas por Montessori.
Maria Montessori quando foi convidada para experiência de San Lorenzo- Itália não se deteve a nenhuma teoria conhecida, antes se colocou para fazer sua pesquisa; percebeu nas crianças anseio de dignidade pessoal, amor ao trabalho, desejo de aprendizagem, capacidade de socialização e com isso surgiram novos critérios e conceitos. Entre as diversas inovações trazidas por ela, está a modalidade de organizar o processo ensino/aprendizagem por classes de idades diferentes: 0 a 3; 3 a 6; 6 a 9; 9 a 12; 12 a 15; 15 a 18 anos.
Segundo Montessori “A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido.” Ela constatou que se aprende melhor pela experiência direta de procura do que pela imposição de ‘saberes’ por parte de um expositor e descobriu que cada ser humano nasce com a capacidade de ensinar a si mesmo, de pensar e fazer por si mesmo, o que resulta no desabrochamento da individualidade ou da singularidade de cada ser. Montessori viu que o aprender era uma conquista da criança, e afirma: “a criança é construtora do homem”. Há, ao menos, dois pressupostos pedagógicos fundamentais: 1) É reconhecida a autonomia própria de cada sujeito, e 2) A práxis dialógica. O diálogo como fundamento da ação pedagógica rompe o verticalismo pedagógico e coloca ensinante/aprendente numa horizontalidade de escuta e ajuda recíprocas. É o “ajude-me a crescer, mas deixe-me ser eu mesmo,” tão acentuado por Maria Montessori.
Montessori experienciou e se certificou que ao dar respeito, condições ambientais e espaço de liberdade reunimos os requisitos que contribuem para que a criança se concentre nas atividades com interesse e prazer. Uma das condições do ambiente é que as salas sejam montadas para serem lugares de exploração de todas as áreas de conhecimento; outra é essa organização da classe com diferentes idades que é uma aproximação da experiência familiar, em que grandes e pequenos convivem no mesmo ambiente.
A criatura humana descobre a si mesma no exercício de alteridade (alter=outro; o mesmo que se interessar ou preocupar-se com o outro). É estando com outros que o aprendiz de ser gente, revela-se igual e diferente, limitado e melhor nalguns aspectos; descobre potencialidades e ousa fazer o que nem sabia ou podia e assim, vai alcançando estágios evolutivos de sua essência humana que surpreendem seus educadores. É esse o grande ganho das classes montessorianas.
Há o ganho do respeito ao trabalho alheio, de aprender com o outro, possibilidade de comunicar ao outro as próprias descobertas e de juntos fazerem um trabalho ainda melhor. Há neste agrupamento parcerias criativas, mas também o reconhecimento da autonomia, “sou diferente de você”; o alcance da independência: “consigo fazer sem a sua ajuda”; ou ainda a valorização da presença do outro: “preciso da sua ajuda”.
As diferenças de idade são valorizadas, habilidades, e competências respeitadas, bem como costumes e culturas procedentes das famílias, cujos filhos compõem a classe. É uma forma que atenua a homogeneização da aprendizagem, a hierarquização, a classificação de conotação social e favorece o desenvolvimento do currículo acadêmico com oportunidades de aprendizagem significativa para as crianças. É uma gama de diversidades em que professores e alunos podem experimentar e viver múltiplas e ricas situações de aprendizagem.
É uma modalidade em que o garoto menor se inspira em ações do maior, em que o maior exercita a compassividade e a tolerância. São perceptíveis momentos recíprocos de atenção que favorecem a prática da solidariedade e da ternura. Vivências assim ajudam a formar pessoas mais altruístas, neste mundo regido pelo egoísmo exacerbado, pela competição, pela vaidade e pelo dinheiro. As ações de cuidado, de solicitude, de cooperação, de carinho entre as crianças maiores e menores forma um espaço de convivência fraterna, de aceitação das diferenças, de ajuda mútua. Simultaneamente é um exercício em que vontades e gostos próprios precisam ser dominados e harmonizados em vista do bem comum. É a socialização das heterogeneidades; é um exercício de afinação para uma convivência entre diferentes e singulares; é a educação para a vida, pois a própria sociedade que o adulto frequentará lhe será um desafio constante de múltiplas diferenças nos mais variados espaços e tempos do seu percurso existencial.
Uma educação assim torna o indivíduo sujeito e objeto do ensino/aprendizagem. É uma educação para a vida porque transcende os limites de informações transmitidas, memorizadas; é antes uma apropriação de saberes experimentados, por meio da confluência de capacidades e habilidades corporais e espirituais, em que corpo, inteligência, vontade e espírito estão em interação para a busca e o aprimoramento de cada educando. Um homem bem formado é um dom para o mundo e cumpre sua tarefa cósmica em harmonia com todas as criaturas.
Pelo modo como Montessori concebeu sua pedagogia, ela é uma educadora fora de série! Não só pela inovação de quebrar o paradigma da padronização das classes seriadas, mas por toda a sua visão científica sobre o cosmos e o homem, por resgatar e respeitar a sabedoria da natureza humana, por favorecer em sua prática educadora a liberação das energias da essência humana no tempo propício, por seu empenho pelo direito da criança aprender, ela continua sendo uma presencialidade atualíssima e eficaz no contexto educacional de hoje.
Irmã Marli Catarina Schlindwein
Diretora Geral do CEMJ